Crítica | Doutor Estranho

Baseado em um famoso programa de rádio estadunidense da década de 30 chamado Chandu, o Mago, nasceu, no longínquo ano de 1963, um dos personagens mais poderosos do universo Marvel, o Doutor Estranho, protetor da Terra de toda e qualquer ameaça mística, criado por Steve Ditko. E agora, 53 anos após sua estreia na revista Strange Tales #110, o feiticeiro supremo faz sua estreia no universo cinematográfico Marvel de maneira competente, visualmente impecável, com um elenco estelar e a cartilha Marvel de fazer cinema.

No filme acompanhamos a transformação de Stephen Strange (Benedict Cumberbatch). Um requisitado neurocirurgião que perde os movimentos dos dedos em um terrível acidente de carro. Fato esse que o leva em uma busca espiritual procurando meios para ter sua antiga vida de volta. Mas o caminho que escolheu o levará a um terrível perigo para salvar a Terra de forças além da compreensão humana.

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De cara, podemos dizer que Doutor Estranho é o filme mais ambicioso de um herói solo da Marvel Studios. Tanto pela contratação de atores aclamados pela crítica como Tilda Swinton (Ganhadora do Oscar em Conduta de Risco), Mads Mikkelsen (Ganhador do Festival de Cannes por A Caça), Rachel McAdams (Nomeada ao Oscar por Spotlight: Segredos Revelados), Chiwerel Ejiofor (Nomeado ao Oscar por 12 Anos de Escravidão) e o próprio Benetict Cumberbatch (Nomeado ao Oscar por O Jogo da Imitação), quanto pelas épicas cenas de ação.

A atuação de todos citados está muito boa, principalmente Tilda Swinton. Apesar das críticas por substituir um personagem originalmente homem e asiático, se encaixou perfeitamente no papel da Anciã. A guia espiritual que mostra ao Strange os caminhos da magia. Ela consegue emitir um ar de serenidade e agressividade ao mesmo tempo. E rouba boa parte das cenas as quais aparece. O mesmo pode ser dito do vilão Kaecilius, interpretado por Mads Mikkelsen. Ele consegue transmitir um enorme fardo de dor presente em seu personagem. Cumberbatch e Ejiofor também estão muito bons no filme.

Conseguimos sentir o sofrimento do Strange no primeiro ato do filme. Mas é uma pena que no restante, como de costume nos filmes da Marvel, ele é conduzido pelo roteiro a trilhar o caminho cliché do herói que vimos em quase todos os filmes anteriores do universo Marvel. Ejiofor também sofre nesse sentido, com seu personagem, o mago Mordo, ao ser apenas colocado como, digamos assim, um ajudante do Doutor Estranho. Mas Ejiofor o faz de maneira competente e irrepreensível. Já a Rachel McAdams é totalmente sabotada pelo roteiro, ao transformá-la única e exclusivamente no interesse romântico do herói título. O que vem a ser uma pena, pois a atriz já mostrou possuir um enorme potencial em diversos filmes, potencial esse que ela demonstrou na única cena a qual foi realmente exigida.

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E o que falar o visual do filme? Sinceramente ainda estou tentando mensurar a quantidade de memória e terabytes necessárias para renderizar toda a batalha na dimensão espelhada, aquela mostrada nos trailers com a cidade de Nova Iorque sendo distorcida. Ela é nada mais que um espetáculo visual de elevada grandeza. Tudo que ela tem de épica, tem de originalidade. Assim como a última batalha nas ruas de Hong Kong, que apesar de ser filmada em um espaço limitado, foi cirurgicamente executada pelo diretor Scott Derrickson, que deve ter sofrido horrores para idealizar ambas as sequências de forma que não ficassem confusas para o espectador.

E o que mais agradará aos fãs dos quadrinhos, certamente, são os inúmeros easter eggs presentes no filme. A já tradicional participação do Stan Lee, as referências aos Vingadores, Demolidor e os inúmeros artefatos místicos citados no filme, como o Bastão do Tribunal Vivo, a Varinha de Watoomb e muitos outros presentes no Sanctum Sanctorum de Nova Iorque e Hong Kong.

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Porém (e sempre há um porém), o filme tinha tudo, mas tudo mesmo, para se tornar um épico. Possivelmente se tornar o melhor filme da Marvel. Ele começa de maneira extremamente promissora, impactante, não demasiadamente sombria, com uma história sendo desenvolvida de maneira orgânica, mostrando muito bem a personalidade egocêntrica de Strange e sua derrocada. Mas a partir do segundo ato, com o treinamento do Strange, começa o padrão Marvel de fazer filmes. A jornada do Strange é muito acelerada, não deixa claro se há uma grande passagem de tempo ou se tudo aquilo acontece em um curto período. Tudo para empurrar a trilha do herói relutante goela abaixo do espectador, tornando a transformação do Strange um tanto quanto insossa.

Isso somada as famosas inserções de piadinhas a cada instante para deixar a película mais “Family friendly.” Elas conseguem cortar totalmente o clima das cenas. Há diversos momentos do filme que percebemos que as piadas foram colocas ali após o corte original do filme, e uma cena em particular deixa isto muito claro (não direi aqui qual é pois se trata de spoiler). Fica nítida a imposição dos executivos em tornar o filme mais leve.

As cenas, inclusive, apresentam uma pegada completamente diferente do diretor. Antes do filme estrear, havia rumor de que os executivos da Disney/Marvel haviam chamado um diretor de comedia para refazer determinadas cenas. Fato este colaborado pela contratação do criador da série Community para reescrever algumas cenas. Scott Derrickson, conhecido pelos seus filmes de terror como A Entidade e O Exorcismo de Emily Rose, deixou as cenas bastante densas, o que não agradaria o público e, infelizmente, isso realmente deve ter ocorrido.

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Outro fato que irrita bastante, é o fato da necessidade implícita de explicar tudo o que está acontecendo na tela. Os próprios personagens narram o que vemos, como se os roteiristas estivessem chamando todo o público de acéfalos. Mas nesse ponto, temos que relevar um pouco, pois conhecemos bem o público americano, principalmente os adolescentes que precisam de tudo mastigadinho para que não precisem pensar no que estão vendo.

É uma pena que esse tipo de pensamento tenha se tornado recorrente em todos os blockbuster hollywoodianos. Não só apenas nos filmes da Marvel. Todo o desenvolvimento do vilão é jogado no estrume com um desfecho rápido e sem graça. Qual filme da Marvel onde o vilão não foi desperdiçado de forma besta? Não adianta falar Killgrave, pois ele é de uma série. Loki nos Vingadores? Pode até ser, mas era seu segundo filme. Então não conta.

Conclusão

Mas esses fatores não chegam a estragar o filme. Em sua essência é muito bom mas deixa um gosto amargo na boca. Estávamos nos preparando para algo realmente épico, e levamos uma ducha de água fria. Saímos com a sensação de que ele poderia ser muito melhor, mas que foi extremamente prazeroso e divertido. Algo que no geral, é o que importa.

Obs.: Há duas cenas pós-crédito importantíssimas para os futuros filmes da Marvel.

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