Marvel’s Luke Cage – 1ª Temporada

Antes de começar a falar sobre a série em si, é preciso dizer que a nova produção da Marvel/Netflix é uma das obras com a maior quantidade de críticas sociais de todo o universo cinematográfico da Marvel. Bem, já era algo de se esperar, afinal, estamos falando de um herói negro em um dos bairros cuja história se mistura com a luta pelos direitos civis, o Harlem. E não é apenas isso. Além do fato, implícito, do orgulho de uma raça (e não falo apenas do orgulho do herói em ser negro, mas também dos vilões, o que falarei com mais calma abaixo), temos uma violenta crítica a forma que os negros americanos são tratados pela polícia. Um fato que atualmente está muito em vogue na terra do Tio Sam, gerando enormes debates civis e revoltas em diversas cidades.

Dito isso, precisamos conhecer um pouco do passado do Luke Cage nos quadrinhos. Ele foi criado em 1972 na revista Luke Cage: Herói de Aluguel por Archie Goodwin e John Romita Sr. logo após a explosão dos filmes Blaxploitation (Gênero esse que inclui títulos como Shaft, Super Fly e Black Samurai, cujas principais características são a música soul e personagens estereotipados) no final da década de 60 e início dos 70. A Marvel possuía pouquíssimos heróis negros com relativo destaque no período. Tínhamos a Tempestade, na época líder dos X-Men e o Pantera Negra, que até hoje continuam como bastiões negros da editora americana.

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Ou seja, tirando o fato dele não falar palavrões (por causa da censura americana), sendo seu bordão o Sweet Christmas, traduzido aqui no Brasil como “cacetada,” Cage era um típico negro estereotipado americano desses filmes, e todo seu visual remetia a eles. Com o passar dos anos, Cage foi evoluindo como personagem, ficando melhor trabalhado e até liderando os Novos Vingadores, deixando de lado seu visual cafetão e assumindo um estilo mais “nigar modafucker” tipo Samuel L. Jackson.

Mas por que eu gastei dois parágrafos com isso? Simples, pois o Luke que vemos hoje na série, não é o mesmo Luke dos quadrinhos, o que muita gente criticou. O Luke Cage interpretado por Mike Colter é uma pessoa totalmente educada, instruída, mesmo com todas as provações que já sofreu em vida que é retratada na série: Problemas familiares, preso por um crime que não cometeu, a dolorosa aquisição dos poderes e a perda de um grande amor.

E apesar de todas essas provações ele consegue se reerguer, não pela vontade de ser um herói – título que ele rejeita. Ele é o símbolo de supremacia de uma raça, um exemplo a ser seguido pelos mais novos, mostrando que todos podem ser como ele. É claro, ele é um personagem falho. Passa o primeiro terço da temporada recusando este rotulo, querendo apenas ficar na dele. Mas em determinado momento, aceita quem ele é e abraça de vez o lado heroico que todos querem que ele seja.

A série em si é uma ode ao gênero blaxploitation. E apesar da forte mensagem de supremacia racial, ela consegue agradar a todo o público, ao colocar o gênero, já datado, com uma roupagem moderna mas mantendo a aura. A disputa de classes, os gangsteres, a trilha de jazz e soul music. Tudo está lá. E em perfeita harmonia amarrada por uma história muito bem escrita e cativante.

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Acompanhamos Luke Cage, após os eventos da série da Jessica Jones. E trabalhando em dois empregos para conseguir sobreviver. na barbearia de seu ex-sogro Pop e na boate do gângster Cottonmouth, interpretado por Maheshala Ali (House of Cards), que é um dos grandes destaques da temporada.

Após determinados eventos, Luke Cage é forçado a agir contra Cottonmouth para acabar com o derramamento de sangue e corrupção no Harlem, culminando na chegada do grande gângster da região, Kid Cascavel, interpretado por Erik LaRay Harvey (Broadwalk Empire: O Império do Contrabando). Mas Luke não se encontra sozinho nessa cruzada. Ele conta com a ajuda da detetive Misty Knight (Simone Missick) e da Claire Temple, a Enfermeira da Noite (Rosario Dawnson de Sin City e Demolidor).

Um dos grande destaque da série, como citado anteriormente, vai para o gângster Cottonmouth. A atuação de Ali é espetacular e, em muitos momentos, ofusca os demais personagens assim como o próprio personagem título da série, que por sua vez é fraco. Vemos no personagem de Ali e também no de sua prima, mesmo com suas visões deturpadas para com a comunidade, o orgulho de serem negros, sendo militantes da causa e isso aprofunda ainda mais os personagens.

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Mike Colter, nosso protagonista, tem um ótimo porte para o papel, mas suas expressões muitas vezes são forçadas. Sabendo disso, os diretores dos episódios nem o forçam muito. Rosario Dawnson mais uma vez caiu muito bem no papel, como já havia estado em Demolidor. Já a detetive Misty Knight está apenas “ok” no papel. Mas como já é clichê nas obras da Marvel, o ponto negativo é sempre o vilão. Mas a culpa dessa vez nem é do ator que interpreta Kid Cascavel. Apesar dele ser um personagem denso, caí em todas as armadilhas do gênero que estamos acostumados a ver. Seu personagem é totalmente previsível e, em determinado momento, enfadonho.

No quesito narrativo, a série começa frenética. E assim vai até sua metade, onde uma reviravolta coloca um balde de água fria nas coisas. A narrativa entra em um ritmo bem lento e cadenciado, o que gerou críticas de muitas pessoas. Mas o ritmo é recuperado. Nos dois episódios finais chegamos ao clímax do confronto entre Luke e o vilão da série.

Mas apesar de seus problemas, a série ainda tem muitas qualidades. E os pontos principais são: A trilha sonora! Sim, todo aquele jazz e soul music combina perfeitamente com os acontecimentos da série, nos fazendo querer mais e mais. As cenas de ação também são muito boas. Apesar das óbvias limitações orçamentarias. E o principal para a série se tornar crível dentro do universo Marvel, as inúmeras citações aos acontecimentos do filme e das demais séries.

Essa é a obra que mais cita os demais projetos da Marvel. Começando pela prisão do Luke: Seagate, a mesma onde o ‘Mandarim’ e Justin Hammer estão presos. Temos uma forte presença dos armamentos Hammer, mostrando que a empresa continua a traficar seus produtos, chegando até a usar uma bala especial com metal alienígena do incidente de Vingadores – O Filme. Dezenas de citações aos demais Vingadores, com Luke Cage até sendo chamado de o Capitão América negro do Harlem. E várias outras ligações aqui e ali.

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Mas o principal mérito da série é mostrar a população em si como um personagem. O Harlem está vivo, é pulsante, não há transeunte ali que não tenha importância como um todo. Isso fica evidenciado no clímax da batalha entre Luke e Kid Cascavel. O povo do Harlem é muito bem trabalhado. Ele nos explica como as pessoas, de modo geral, sentem-se com todas as maravilhas que acontecem ao seu redor.

Conclusão

O medo. O respeito que elas possuem do gigante verde e dos deuses voadores. A necessidade que as pessoas possuem de se apegar ao menor fio de esperança representado por esses seres. Essa é a característica principal de Luke Cage. Ele é a esperança de uma população marginalizada pela sociedade e oprimida pela força desproporcional da polícia americana. Essa é a alma das histórias da Marvel. Histórias humanas, histórias vivas, histórias que representam a grandeza dos corações das pessoas. Não importa o quão poderosa ou não são as pessoas.

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